O PIOR ANALFABETO É O ANALFABETO MIDIÁTICO
“Ele Imagina Que Tudo Pode Ser Compreendido Sem O Mínimo Esforço Intelectual”. Reflexões Do Jornalista Celso Vicenzi Em Torno De Poema De Brecht, No Século 21
Celso Vicenzi, no Outras Palavras
Ele ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem defende bandeiras políticas. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. E que elas – na era da informação instantânea de massa – são muito influenciadas pela manipulação midiática dos fatos.
Não vê a pressão de jornalistas e colunistas na mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê – que também estão presentes na internet – a anunciar catástrofes diárias na contramão do que apontam as estatísticas mais confiáveis. Avanços significativos são desprezados e pequenos deslizes são tratados como se fossem enormes escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que políticas públicas de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados partidos políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade social no país.
Questões iguais ou semelhantes são tratadas de forma distinta pela mídia. Aula prática: prestar atenção como a mídia conduz o noticiário sobre o escabroso caso que veio à tona com as informações da alemã Siemens. Não houve nenhuma indignação dos principais colunistas, nenhum editorial contundente. A principal emissora de TV do país calou-se por duas semanas após matéria de capa da revista IstoÉ denunciando o esquema de superfaturar trens e metrôs em 30%.
Bancada do Jornal Nacional (Divulgação)
O analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja, por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e, principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a verdade dos fatos. Para isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “então diga isto com uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de um determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas “ao gosto do freguês”. Há uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas que nunca foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma guerra com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.
O analfabeto midiático não percebe que o enfoque pode ser uma escolha construída para chegar a conclusões que seriam diferentes se outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas narrassem os fatos de outro ponto de vista. O analfabeto midiático imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências política e econômica – para não estender demais os campos do conhecimento – para compreender minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e econômicos. Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais.”
O analfabeto midiático gosta de criticar os políticos corruptos e não entende que eles são uma extensão do capital, tão necessários para aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso recebem todo o apoio financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para drenar o dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público. Assim, por vias tortas, só sabe enxergar o político corrupto sem nunca identificar o empresário corruptor, o detentor do grande capital, que aprisiona os governos, com a enorme contribuição da mídia, para adotar políticas que privilegiam os mais ricos e mantenham à margem as populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia.
Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
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O analfabeto político
O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilanta, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
Bertold Brecht
CIDADANIA SE APRENDE VIVENCIANDO
Um estudante, durante uma dinâmica ocorrida esta semana, me perguntou de forma intrigante “por que a escola não nos ensina como lidar com questões do dia a dia?”
Desconfio que não seja o cérebro o único órgão do corpo humano que esteja pronto para desafiar, confrontar e lidar com situações cotidianas. Nossa leitura de mundo e a construção de nossa ética parece passar mais pela experiência do que pela consciência. Aprendemos o que é certo copiando modelos, experimentando e não ouvindo discursos.
Na escola do nosso tempo, focada no cérebro, ética, responsabilidade e cidadania têm sido áreas encaradas tal qual as disciplinas escolares das mais tradicionais são abordadas, tal qual a Matemática. O convite mais comum é “vamos aprender ética vendo as implicações legais de você cometer um delito?” Ou então, “vamos estudar a evolução dos Direitos Humanos na história do mundo?”
A evolução dos Direitos Humanos é, sem dúvida, um assunto interessante, mas não suficiente para que o estudante comece a construir uma escala de valores. Que tal abrir um espaço na escola para que os estudantes se expressem, com uma web-radio, e, assim, criar um modelo de garantia de Direitos Humanos? Infelizmente escola não cria modelos, mas repete conteúdos; raramente o aluno experimenta ou cria.
Fiquei curioso com o que levou a estudante canadense Hannah Robertson, no encontro anual de investidores do Mc Donalds em Chicago (EUA), a questionar os diretores a rede de fast-food sobre por que eles vendem “porcaria” a crianças dando um brinquedinho de brinde. O espírito questionador me parece fruto de uma vivência e não de uma aula teórica. Afinal, a garota de nove anos é filha de Kia Robertson, uma blogueira e ativista na área de alimentação saudável.
Enxergo na produção de comunicação por estudantes dentro da escola, seja de jornais, revistas, fanzines, radio ou documentários, uma oportunidade de se vivenciar a cidadania, e não de se ouvir falar sobre ela. Esse é um dos pressupostos da Educomunicação, esse novo campo de estudo e, sobretudo, de prática.
Se tratarmos os temas do cotidiano como disciplinas isoladas, a grade escolar não suportará em breve tantas aulas reivindicadas por seus defensores. Música, Cidadania, Ética Digital, Artes e Comunicação, brigam por um espaço num dia de vinte e quatro horas. Cidadania é algo transversal a tudo que se aprende na escola e na vida. Por isso, precisa funcionar por projetos, com experimentação e mão na massa de alunos e professores.
Aliás, para os docentes que se sentem “esvaziados” de funções num tempo de internet e Ipads, a ética é algo ainda inerente e insubstituível ao papel do ser humano na educação. É na troca de experiências diárias com os estudantes que ela é construída – baseada no que se faz, e não no que se diz.
Tentando responder ao questionamento do meu estudante no primeiro parágrafo, talvez a melhor resposta seja: “porque a escola quer que você escute e memorize e não questione ou se permita errar. Ela educa você, e raramente, ‘com’ você”.
>> Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador. Desenvolve projetos interdisciplinares com foco em educação para escolas, governos e empresas. É autor do livro Idade Mídia: A Comunicação Reinventada na Escola, publicado pela Editora Aleph. >> Quer saber mais sobre educação, mídia, cidadania e leitura? Acesse nosso site! Siga o Instituto GRPCOM também no twitter: @institutogrpcom.
"EU SOU POR QUE NÓS SOMOS!"
“Um antropólogo fez uma brincadeira com crianças de uma tribo africana. Ele colocou um cesto cheio de frutas junto a uma árvore e disse para as crianças que o primeiro que chegasse junto a árvore ganharia todas ...as frutas. Dado o sinal, todas as crianças saíram ao mesmo tempo e de mãos dadas! Então sentaram-se juntas para aproveitar da recompensa. Quando o antropólogo perguntou por que elas haviam agido dessa forma, sabendo que um entre eles poderia ter todos os frutos para si, eles responderam: Ubuntu, como um de nós pode ser feliz se todos os outros estiverem tristes?
UBUNTU na cultura Xhosa significa: “Eu sou por que nós somos”
Luis Fernando Veríssimo
É cronista e escritor brasileiro
Impossível assistir ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros...todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB é a realidade em busca do IBOPE.
Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB . Ele prometeu um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.
Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.
Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis? Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores) , carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e quase sempre são mal remunerados.
Heróis são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir, e conseguem sobreviver a isso todo dia.
Heróis são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna. Heróis são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, Ongs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e necessitados.
Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo.
O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!!
Veja o que está por de tra$$$$$$$$$ $$$$$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.
Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores)
Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores. Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ir ao cinema...., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins... , telefonar para um amigo... , ·visitar os avós... , pescar..., brincar com as crianças... , namorar... ou simplesmente dormir. Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construído nossa sociedade.
Esta crônica está sendo divulgada pela internet a milhões de e-mails.
Senhores,
Abaixo, os links para o materiais sobre Sociologia e Filosofia. Clique nas imagens para acessar os arquivos.
FILOSOFIA: SLIDES, RESUMO E LISTA DE EXERCÍCIOS
Abraços e bons estudos,
Senbores,
Como o vestibular da Unesp ocorre nesse final de semana, estou republicando os materiais de Filosofia e Sociologia que estão disponíveis aqui no site.
SOCIOLOGIA – RESUMO – clique aqui.
SOCIOLOGIA – EXERCÍCIOS – clique aqui.
Por Ricardo Festi
Estou convencido de que o tema mais importante para a disciplina de Sociologia no ensino médio é a Questão Negra no Brasil, já que é impossível explicar qualquer outra aspecto fundamental da sociedade brasileira (seja econômico, social, cultural, etc) sem passar por entender as razões e as consequências da situação do negro em nosso país. Sua secundarização, diante de outros inúmeros e importantes debates, diz um pouco do racismo que insiste em se manifestar. Mesmo com uma lei obrigando o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira, ainda estamos muito longe do ideal almejado. Não basta baixar leis se os professores não forem capacitados para tal, pois a sua imensa maioria nunca teve uma aula sobre história da África na universidade, nem mesmo um tópico dentro de alguma disciplina. Mas as dificuldades aumentam quando olhamos para a realidade da escola pública brasileira e as condições de trabalho dos professores. Como parte do processo de precarização do trabalho, o papel do professor enquanto educador - um intelectual dentro da escola, que pensa e articula a reflexão junto aos alunos diante de uma realidade dinâmica - vem sendo substituído por uma pedagogia tecnicista, em que a gestão da escola, os aspectos burocráticos e os meios tecnológicos (ou o fetiche por estes) tornaram-se o fim e não os meios. O objetivo é apresentar números, numa lógica de competitividade, premiação (os Bônus) e punição. Busca-se uma escola eficiente do ponto de vista mercadológico, não uma escola reflexiva e crítica do ponto de vista pedagógico.
O resultado é que a questão negra e o racismo dificilmente são debatidos como deveriam nas escolas públicas brasileiras (em geral aparecem como algo folclórico, ou seja, exótico, em atividades com palestrantes, rodas de capoeira, etc). Fica aí evidente mais uma vez uma divisão "racial": nas escolas públicas, onde estão matriculados a imensa maioria dos negros, este tema não é abordado; nas escolas particulares, composta majoritariamente por brancos, a questão negra também não é abordada, e para muitos brancos essa falha pouco mudará em suas vidas, já que seu status quo (como o acesso as melhores universidades e empregos) estará garantido por esta sociedade racista. Ou seja, a lei que obriga o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira é "para inglês ver".
Trazer para dentro da escola (e não somente nas disciplinas de humanas) o debate sobre a questão negra no Brasil é uma tarefa árdua, que enfrenta inúmeras dificuldades políticas e pedagógicas. Vejamos algumas: muitos alunos brancos não desejam debater essa questão, pois "não lhes diz respeito"; já os alunos negros, vários ficam incomodados com o debate, por tocar em feridas abertas que fazem parte de seu cotidiano e porque ele, quase sempre, é mal feito pelos professores, permitindo a reprodução do senso-comum, de esteriótipos ou de manifestações de racismo por parte de outros alunos; da parte dos professores, estudos acadêmicos já mostraram exaustivamente que são os principais difusores dos preconceitos dentro da escola - o que torna ainda mais difícil pautar esse tema. Uma lista enorme de dificuldades poderia ser descrita aqui, o fato é que essas dificuldades são a prova cabal de que o racismo é latente e por isso mesmo é necessário pauta-lo.
É óbvio que a luta contra o racismo não passa apenas pelo processo educativo. Não tenho nenhuma esperança (idealismo) de que seja possível a implementação de uma escola livre de racismo e formadora de sujeitos não racistas. O racismo é um fenômeno social que tem bases estruturais e concretas na formação da sociedade brasileira. A luta no terreno cultural é fundamental, mas deve vir acompanhada da luta no terreno socioeconômico, contra essa sociedade dividida por classes. A lógica de Marx para a questão judaica na Europa do século XIX também serve para a questão negra no Brasil: só haverá liberdade e igualdade plena para os negros (e todas as minorias) quando superarmos a ordem burguesa e capitalista.
Ao professor que compreende a importância deste debate e desta luta, cabe a ele problematizar a questão negra em suas aulas e na escola, aprimorando o arsenal conceitual e político dos alunos (principalmente os negros) para poderem lutar contra o racismo. A este professor cabe também seguir lutando dentro e fora da escola contra o racismo e esta ordem social do capital que se beneficia com a reprodução e manutenção dos vários tipos de preconceitos e opressões.
Este post não pretende fechar o debate, mas abri-lo. Ele é apenas um fragmento de minhas reflexões sobre esse tema espinhoso. Os leitores estão convidados a manifestarem as suas opiniões nos "Comentários" deste Blog.
* * *
Abaixo indico o Dossiê: Racismo: História e Historiografia da Revista dos pós-graduandos em História da Unicamp. Apesar de ter algumas diferenças conceituais com os autores, as pesquisas que este departamento fez nas últimas décadas já deram importantíssimos aportes para melhor compreendermos a história de nosso país. Materiais como este deveriam ser distribuídos em massa para todas as escolas públicas do Brasil, para que os professores, em sua árdua tarefa de se manterem enquanto educadores (intelectuais) na contra-mão desta enxurrada de burocracia possam ter instrumentos para sua reflexão, permitindo um primeiro diálogo entre a escola básica e a universidade.
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/issue/view/28
Reproduzo logo abaixo o texto de Milton Pinheiro sobre a publicação do livro "Memórias de uma Guerra Suja", baseado no depoimento de Claudio Guerra, ex-delegado de polícia e agente da repressão durante a última ditadura militar no Brasil. No livro, fatos importantes sobre esse período sombrio foram revelados. Esperamos que outros depoimentos como esse venham à luz e que possamos não só esclarecer e reconstruir a história brasileira, mas também julgar e punir os terroristas de Estado.
Hoje, os bravos venceram.
Milton Pinheiro*
Os dois últimos dias foram marcados pelo horror que vazou dos porões da ditadura, que se encontra em polvorosa diante da possibilidade da comissão da verdade se estabelecer. São informações colhidas pelos jornalistas que entrevistaram o verme Cláudio Antônio Guerra, delegado do DOPS do Espírito Santo, refugiado na aposentadoria que o Estado conivente lhe premiou, sobre o desaparecimento de presos políticos.
Não estou preocupado se a confraria do crime matou o comparsa, Sérgio Fleury. Estou indignado pelo conjunto das informações que esse celerado, Cláudio Guerra, passou. São crimes contra a humanidade, são manifestações de bestialidade organizada pela classe dominante para manter os seus privilégios.
Hoje, 03 de maio, acordei com o compromisso de encontrar camaradas: homens e mulheres, na frente do ex-prédio do DOI-CODI na Rua Tutóia, para fazermos uma manifestação cobrando punição para os criminosos da ditadura burgo-militar de 1964.
Marchei para o ponto marcado, fazia frio nas cercanias do Ibirapuera e o dia estava cinzento. Lá estavam jovens indignados, ex-presos políticos que sobreviveram ao massacre da ditadura, e militantes. Ouvimos depoimentos dos sobreviventes do “porão do inferno”, visitamos o fundo do prédio onde muitos foram martirizados e foram assassinados, mais de 50 heróis do povo brasileiro, entre eles, os comunistas Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho.
A manifestação prosseguiu, os nomes dos bravos lutadores assassinados foram levantados, e tal qual a lança do guerreiro, o brado forte dos presentes cortou o vento gelado e fez surgir o sol entre nós. Um-a-um, o nome dos mártires foi saudado pelo grito forte de “presente, agora e sempre”.
Entre tantos nomes saudados pela memória dos presentes, bravos homens e mulheres, um, ecoou pelo pátio da delegacia e adentrou o meu pensar, “Nestor Veras: presente, agora e sempre”. Mas em tempos de combate, onde a terra ainda é tingida de sangue no Brasil, quem é esse homem que lutou ao lado dos trabalhadores e pelo futuro, entregou a sua vida?
Nestor Veras, líder camponês, nasceu em 19 de julho de 1915, em Ribeirão Preto, São Paulo. Era dirigente do CC do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e encarregado do trabalho no campo. Foi dirigente da ULTAB e da CONTAG, fundador e editor do jornalTerra Livre. Ao lado de Francisco Julião e Alberto Passos Guimarães, organizou o Congresso Camponês que ocorreu em Belo Horizonte, em 1961. Cassado pelo AI-I foi condenado a cinco anos de cárcere pela LSN – lei de segurança nacional, passou a viver na clandestinidade, mesmo tendo uma companheira e cinco filhos.
Esse bravo comunista foi preso em abril de 1975, quando passava na frente de uma drogaria, em Belo Horizonte. Estava desaparecido até ontem, quando ficamos sabendo, via um representante da escória da ditadura, que Nestor Veras “tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”
Após ter participado da manifestação, pela tarde fui para meu rotineiro trabalho de pesquisa no arquivo do Centro de Documentação e Memória da UNESP, o CEDEM. Lá encontrei um jovem estudante da UNIFESP que trabalhava com um conjunto de caixas do arquivo que continham informações da luta camponesa e da reforma agrária no Brasil, todas com o nome de Nestor Veras. Examinei as caixas com os documentos e encontrei a presença do dirigente camponês em tudo: textos, recortes de jornais, artigos naVoz Operária, congressos, assembléias, conferências, resoluções, informes, análise sobre as lutas dos trabalhadores do campo e da cidade. Esse foi o camponês que pensou o Brasil e lutou pela revolução socialista. Nestor Veras, homem simples da classe trabalhadora que teve um texto seu, colocado em um livro da Brasiliense por Caio Prado Júnior. Homem de combate, mas que encontrava tempo para tocar clarineta para os filhos.
Comovido diante daquela cena, pude então compreender que os bravos que tombaram, de forma desassombrada, pelos interesses dos trabalhadores brasileiros, venceram. Eles venceram o silêncio da repressão e a conivência do Estado, venceram o luto cínico das instituições e o papel asqueroso da imprensa burguesa. Eles venceram, porque estão presentes na vontade de saber da juventude, venceram porque marcham ao nosso lado na luta sem trégua pela revolução brasileira.
Hoje, mais do que nunca, os bravos venceram!
E nós, militantes em defesa da humanidade saberemos, quando chegar o momento, honrar o compromisso feito por Carlos Danielli (momentos antes de ser assassinado) ao escrever com o líquido vermelho das suas veias nas paredes do DOI-CODI: “o meu sangue será vingado”. Afinal, “por nossos mortos nem um minuto de silêncio, toda uma vida de combate”.
*Milton Pinheiro é professor e militante comunista.
Interessante a movimentação pelo contra-ato em comemoração ao golpe de 64. Silvio Tendler é um velho cineasta, autor de "Jango" e muitos outros filmes deste gênero, que, como muitos outros de sua geração, tiveram ilusões nos governos que antecederam ao golpe. Sua indignação ao golpe deve-se ao ataque do que ele chamou de democracia pré-64, entretanto, os fatos precisam ser analisados mais de fundo, pois o que tivemos foram governos burgueses que tentavam tirar proveito de sua relação com as massas para manobrar nas suas fricções com as frações burguesas. Não se tratava de uma democracia plena, mas sim de um governo de contenção das massas que não poderia solucionar as contradições fundamentais da sociedade brasileira. O acirramento da luta de classes nos anos 1960 colocou em questão a luta pelo poder e uma resolução revolucionária. As massas camponesas, operárias e estudantis manifestavam suas demandas, em muitos casos de forma radicalizada. Entretanto, também em suas fileiras haviam aqueles que se alinhavam com as frações "progressistas" da burguesia, como era o caso do PCB, principal partido que dirigia os sindicatos operários e ainda com forte influencia nas Ligas Camponesas, mesmo com a dissidência de Francisco Julião. O resultado de toda complexa situação política foi o Golpe de 1964. Portanto, devemos marchar por outros motivos nestes próximos dias: não pela nostálgica "democracia" pré-64; mas pela força da classe operária brasileira, que assim que se levantou e mostrou a sua potencialidade, se necessitou de um golpe de estado para impedir seu desenvolvimento. Marchamos para relembrar aqueles que lutaram no passado e morreram nas mãos dos genocidas do regime militar. Marchamos para tirar a impunidade dos agentes da repressão. E, acima de tudo, marchamos para lembrar do futuro que ainda nos aguarda, e das lições passadas que devem nos iluminar...
O atual debate sobre a Anistia:
a mordaça herdada do passado e defendida no presente
Por Ricardo Festi
Recentemente teve início um novo capítulo da luta pela punição dos agentes da repressão do último regime militar brasileiro. Promotores do Ministério Público Federal do Pará resolveram acusar o coronel da reserva Sebastião Curió, símbolo da repressão à Guerrilha do Araguaia, por “sequestro qualificado” e crime continuado. Segundo os promotores, esse tipo de crime não se enquadra na relação de crimes prescritíveis. Ou seja, ele não seria enquadrado pela Lei da Anistia de 1979, que até hoje vem impedindo o julgamento e punição desses agentes. Esta ação dos promotores gerou um movimento reacionário, encabeçado pela mídia golpista e os principais personagens da criação e sustentação da Lei da Anistia, abrindo-se um novo debate político em torno desta questão.
No último domingo, o jornal O Estadão publicou uma entrevista com Miguel Reale Junior, professor titular da USP, ministro da justiça em 2002 no governo de FHC e um dos personagens na elaboração da Lei da Anistia, em que afirmou, sobre essa lei: “foi um processo de mão dupla, que também anistiou aqueles que praticaram tortura, que é um crime contra a humanidade. Ao mesmo tempo, porém, do ponto de vista interno, da política brasileira, foi o momento da volta dos cassados aos cargos públicos, dos professores às atividades universitárias, da organização dos partidos. Foi um preço alto? Foi. Mas foi o preço para trazer a paz política e social para o Brasil” (Estadão, 18/03/12).
Traduzindo em outras palavras: a Lei da Anistia é o sustentáculo do regime democrático burguês que surgiu no lugar da desgastada Ditadura Militar iniciada com o Golpe de 1964. Foi fruto de um acordo conciliatório entre os militares no poder e a sua maioria no Congresso Nacional, que tinha Sarney na presidência da casa, e a oposição burguesa e moderada, com Tancredo Neves à sua cabeça. Não à toa a chapa que ganha a eleição presidencial indireta anos mais tarde terá estes dois personagens à sua frente.
A sinceridade hipócrita de Reale é impressionante: “foi o preço para trazer a paz política e social para o Brasil”. Mais uma vez, traduzindo: foi a maneira que encontraram para impedir que a força do movimento operário, em ebulição naquele momento, com greves em todo país, se tornasse o fator determinante para impor uma transição ao regime democrático ou mesmo para outra forma de regime que superasse o Estado burguês.
Portanto, a ação de Miguel Reale e todos aqueles que compactuaram com a transição ao regime democrático, deixando os torturadores, repressores e ditadores impunes de seus crimes, manobraram dentro da superestrutura do Estado enquanto parte de uma ação consciente na luta de classe. No caso, ao lado do regime burguês. Agora esses mesmo agentes voltam a dar declarações a impressa defendendo um direito imutável e sagrado.
A ação dos procuradores é criativa, pois se trata de uma manobra dentro do sistema jurídico burguês, mas não é uma novidade. O Chile teve uma anistia muito parecida com a brasileira, garantindo impunidade a todos os que perpetraram violações de direitos humanos sob o regime do general Augusto Pinochet (1973-1990). No entanto, alguns procuradores usaram o argumento de que como os cadáveres não haviam sido recuperados após esses crimes, e era impossível determinar quando o crime prescrevera, a anistia não se aplicava a eles. Em 2004 a Suprema Corte chilena deu causa favorável aos procuradores e de lá para cá, mais de 700 agentes do Estado foram investigados e acusados de crimes nos tribunais chilenos, sendo que 30% deles foram condenados a cumprirem pena de prisão.
É necessário ser levado em consideração outra questão: diferente das demais ditaduras militares do Cone Sul, no Brasil o sistema Judiciário civil e militar foi muito mais cúmplice da repressão. Foram estes tribunais os responsáveis por muitas condenações a presos políticos – em sua maioria com base a evidências extraídas sob torturas. Lembremos da recente divulgação de uma foto de Dilma, ainda jovem, sendo julgado num tribunal militar. A mesma Dilma que hoje, junto com o PT, manobra para satisfazer os sinistros políticos da época da ditadura que sobreviveram depois da transição democrática.
Há ainda um longo caminho a ser percorrido até a conquista da efetiva punição dos agentes repressores da ditadura militar. É um direito ultrademocrático que nossa história seja esclarecida e que os crimes cometidos pelos agentes do Estado sejam julgados. Para isso é necessário um combate ao “fetichismo da norma” e do direito positivista, reproduzido por estes meios de comunicação e personagens da transição pactuada em nosso país. Se o direito é fruto de um estágio da luta de classes, ou seja, de uma correlação de forças entre as classes fundamentais da sociedade burguesa, garantido pelo aparato coercitivo do Estado, a possibilidade de muda-lo, arrancando concessões democráticas dentro do capitalismo, só será possível fruto também da luta e da organização do movimento sindical e político. Quanto a universidade, e em particular ao IFCH, é necessário uma intensificação dos debates políticos em torno desta questão e manifestações públicas contra a Lei da Anistia de 79 e pela punição de todos os agentes da repressão.
Publicado no Boletim da Juventude as Ruas!
Não é nosso objetivo neste Blog fazer propaganda de editoras, mas é inevitável um comentário sobre as publicações das obras de Marx e Engels pela Boitempo. O último lançamento traz a tradução de um texto de Engels e Kautsky sobre direito intitulado "O Socialismo Jurídico", uma análise sobre o direito burguês e, ao mesmo tempo, um combate contra os reformistas que acreditavam (e ainda acreditam) poder superar a ordem capitalista com a injeção de pequenas e contínuas medidas progressivas dentro do aparato das regulamentações jurídicas burguesas. Sem dúvida é uma instigante publicação para refletir neste momento em que as discussões sobre a legitimidade da Lei da Anistia de 1979 ou a legitimidade (e possibilidades) de qualquer ação contra os repressores da Ditadura Militar volta à tona.
Mais empolgante ainda é saber que está no prelo uma nova traduções de "O Capital" de Karl Marx.
Segue logo abaixo a apresentação do livro feita pela própria editora:
O socialismo jurídico
Friedrich Engels e Karl Kautsky
Planejado por Friedrich Engels e Karl Kautsky, o artigo “O socialismo jurídico” foi publicado sem assinatura na revista da social-democracia alemã,Neue Zeit, em 1887. O objetivo era dar uma resposta aos ataques à teoria econômica de Karl Marx, assim como elaborar uma crítica ao reformismo jurídico e combater a sua influência no movimento operário.
“À época da escrita deste livro, os reformistas, em combate às idéias revolucionárias de Marx, apontavam para uma transição controlada, objetivando ganhos por meio do aumento de direitos, sem transformar plenamente as contradições da exploração capitalista”, afirma na orelha do livro o professor da Faculdade de Direito da USP, Alysson Leandro Mascaro, para quem O socialismo jurídico é uma das obras clássicas do marxismo sobre a relação entre o direito e o capitalismo.
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“Engels e Kautsky dedicam esta obra justamente a combater o socialismo dos juristas – ou o socialismo por meio do direito. O direito é, irremediavelmente, uma forma do capitalismo. Assim sendo, é a revolução – e não a reforma por meio de instituições jurídicas – a única opção realmente transformadora das condições das classes trabalhadoras”, conclui Mascaro.
O texto é também uma crítica ao livro O direito ao produto integral do trabalho historicamente exposto, do sociólogo e jurista burguês austríaco Anton Menger, publicado em 1886, e que vinha obtendo grande repercussão. Em tal obra, Menger tentou provar que a teoria econômica de Marx fora plagiada dos socialistas utópicos ingleses da escola ricardiana, especialmente William Thompson. Essas afirmações, bem como a falsificação da essência da teoria marxiana efetuada por Menger, não poderiam passar despercebidas a Engels, que decidiu interceder.
Além do artigo que dá título ao livro, este volume agora publicado pela Boitempo – traduzido do alemão por Lívia Cotrim e Márcio Bilharinho Naves, filósofo do direito brasileiro e autor do livroMarxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis(Boitempo) – traz ainda duas cartas de Engels a Laura Lafargue (filha de Marx) escritas em Londres, em 1886, que também tratam do tema.
Trecho do prefácio de Marcio Bilharinho Naves
“O texto de Engels e Kautsky tem grande importância teórica e política e é de impressionante atualidade. Nestes tempos, em que se abate sobre o marxismo uma avassaladora ofensiva em nome da democracia, isto é, do direito, e em que a ideologia jurídica penetra profundamente no movimento operário e em suas organizações, vale a pena voltar a atenção para o ataque sem concessões que Engels e Kautsky dirigem contra o núcleo duro da ideologia burguesa, a sua concepção jurídica de mundo. [...] A crítica à visão jurídica aparece, de modo ainda mais expressivo, na análise que Engels e Kautsky realizam da passagem da concepção teológica de mundo feudal à concepção jurídica de mundo burguesa, na qual se revela a natureza especificamente burguesa do direito, como forma social relacionada de maneira íntima com o processo de trocas mercantis: Visto que o desenvolvimento pleno do intercâmbio de mercadorias em escala social – isto é, por meio da concessão de incentivos e créditos – engendra complicadas relações contratuais recíprocas e exige regras universalmente válidas, que só poderiam ser estabelecidas pela comunidade – normas jurídicas estabelecidas pelo Estado –, imaginou-se que tais normas não proviessem dos fatos econômicos, mas dos decretos formais do Estado. Temos aqui alguns elementos que autorizam a formulação de uma ideia crítica do direito, que permita denunciar o “fetichismo da norma” e se oponha à teoria normativista para a qual o direito aparece somente como um conjunto de normas garantido pelo poder coercitivo do Estado.”
Trecho do livro
“O direito jurídico, que apenas reflete as condições econômicas de determinada sociedade, ocupa posição muito secundária nas pesquisas teóricas de Marx; ao contrário, aparecem em primeiro plano a legitimidade histórica, as situações específicas, os modos de apropriação, as classes sociais de determinadas épocas, cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na história um desenvolvimento contínuo, apesar de muitas vezes contraditório, e não simples caos [Wust] de loucura e brutalidade, como a via o século XVIII. Marx compreende a inevitabilidade histórica e, em consequência, a legitimidade dos antigos senhores de escravos, dos senhores feudais medievais etc. como alavancas do desenvolvimento humano em um período histórico delimitado; do mesmo modo, reconhece também a legitimidade histórica temporária da exploração, da apropriação do produto do trabalho por outros; mas demonstra igualmente não apenas que essa legitimidade histórica já desapareceu, mas também que a continuidade da exploração, sob qualquer forma, ao invés de promover o desenvolvimento social, dificulta-o cada vez mais e implica choques crescentemente violentos.”
Sobre a coleção
A publicação de O socialismo jurídico dá continuidade ao ambicioso projeto da Boitempo de traduzir o legado de Karl Marx e Friedrich Engels, contando com o auxílio de especialistas renomados. Com 14 volumes publicados, a coleção Marx-Engels teve início com a edição comemorativa dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998. Em seguida foi publicada A sagrada família (2003), obra polêmica que assinala o rompimento definitivo de Marx e Engels com a esquerda hegeliana. Os Manuscritos econômico-filosóficos (2004) vieram na sequência, ao qual se seguiram os lançamentos de Crítica da filosofia do direito de Hegel (2005); Sobre o suicídio (2006); A ideologia alemã (2007); A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (2008);Sobre a questão judaica (2010); Lutas de classes na Alemanha (2010); O 18 de brumário de Luís Bonaparte (2011); A guerra civil na França (2011), em comemoração aos 140 anos da Comuna de Paris; os Grundrisse (2011); Crítica do Programa de Gotha (2012); e agora O socialismo jurídico. Ainda neste ano, a editora planeja publicar o primeiro volume de O capital.
Ficha técnica
Título: O socialismo jurídico Título original: Juristen-sozialismus Autores: Friedrich Engels e Karl Kautsky Tradução: Lívia Cotrim e Márcio Bilharinho Naves Prefácio: Márcio Bilharinho Naves Orelha: Alysson Leandro Mascaro Páginas: 80 ISBN: 978-85-7559-210-6 Preço: R$ 22,00 [preço ebook: R$ 13,00] Editora: Boitempo
Veja também o sorteio de um livro do Marx: https://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/03/14/sorteio-de-critica-do-programa-de-gotha-em-comemoracao-ao-aniversario-de-morte-de-karl-marx/
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Por Ricardo Festi
Há exatos 50 anos a Guerra da Argélia terminava com uma importante vitória das forças de libertação nacional. O conflito foi retratado, alguns anos depois, no belíssimo filme ítalo-argelino A batalha de Argel (1966) dirigido por Gillo Pontecorvo. Este conflito, que durou de 1954 a 1962, foi um dos mais importantes na formação das futuras gerações de revolucionários da Europa e, centralmente, da França. Não há como entender as manifestações e as barricadas de maio-junho de 1968 na França sem compreender seu nexo com as batalhas realizadas alguns anos antes em defesa da independência do povo argelino.
A conjuntura do pós-Segunda Guerra Mundial era de enfraquecimento do imperialismo e colonialismo europeu e de explosão de lutas revolucionárias no mundo colônia ou semi-colonial. Neste período aconteceram as revoluções na China (1949) e em Cuba (1959) e a independência da grande parte das antigas colônias africanas e asiáticas. Mao e Che se tornaram ícones das gerações dos anos 1960/70. Gerações estas que apresentavam suas dissidências com o stalinismo e a URSS, principalmente depois do massacre realizado pelos tanques soviéticos na Revolução Húngara de 1956, e que procuravam novas formas de organização em pequenos grupos revolucionários de cunhos trotskistas, anarquistas, maoistas, guevaristas, etc.
Dentre todos os processos de luta por autodeterminação, a Guerra da Argélia teve efeito especial sobre os franceses. Filhos da pátria imperialista e opressora, milhares de jovens franceses passaram de meros espectadores ou de uma solidariedade passiva para ações concretas contra o imperialismo de seu próprio país. Um pouco antes, já na luta contra a Guerra do Vietnã, compreenderam que a vitória do terceiro mundo alastraria para dentro de seus países uma nova força revolucionária. Foi nesse contexto que se ampliou o apoio à Força de Libertação Nacional (FNL) da Argélia.
Portanto, diferente do que escreveu hoje o jornalista e corresponde do Estadão na França Gilles Lapouge (e correspondente deste jornal na época da Guerra da Argélia), de que a libertação argelina teria marcado o “fim do abismo” e o “início de uma longa amargura”, dizemos que ela marcou o início de uma nova geração de combatentes, em que a revolução era o centro de suas preocupações. Para atingir este fim, tinham que lutar contra uma sociedade burguesa caduca – e seus movimentos fascistas – e o stalinismo e o PCF, que agia conscientemente para impedir uma solidariedade real com os argelinos e separar os trabalhadores dos jovens revolucionários. Por algum tempo estes tiveram êxito em sua política, mas poucos anos depois explodiria na França, depois da brutal repressão sofrida pelo movimento estudantil no dia 11 de maio de 1968, a maior greve operária da história deste país, com ocupação de centenas de fábricas.
Em tempos de retorno dos conflitos sociais, a Guerra da Argélia nos traz inúmeras lições, dentre as quais a da necessidade de nos organizarmos e nos prepararmos, mesmo que no terreno ideológico e da propaganda, para os futuros grandes embates que teremos contra o capital. Nos traz também a necessidade de conhecermos estes grandes embates que ocorreram no século XX, tirando as lições dos erros e acertos, e nos apropriando do arcabouço do marxismo revolucionário.
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Para não nos alongarmos mais, reproduzimos abaixo um trecho de um folheto publicado no calor dos acontecimentos de 1968 por Daniel Bensaid (um dos principais líderes estudantis em 1968 e futuro dirigente da Liga Comunista Revolucionária, organização trotskista mandelista) e Henri Weber:
O processo mediante o qual tem adquirido o movimento estudantil francês sua fisionomia atual se iniciou nos últimos anos da guerra da Argélia. Frente as atrocidades colonialistas do norte da África apareceu um movimento de rebelião moral entre os intelectuais e os estudantes franceses. A política do imperialismo francês feria diretamente a ideologia humanista compartilhada na universidade liberal. Casa vez era mais os estudantes que se colocavam contra a guerra colonial. Os mais conscientes e resolutos entravam nas organizações clandestinas de ajuda a FLN: Jovem Resistência, Movimento Anticolonialista Francês, Grupo Nizan. Ombro a ombro com os combatentes argelinos, se encarregavam de atividades de apoio e de reunir fundos. Organizavam, além disso, um perigoso trabalho de propaganda revolucionária no exército, a difusão de panfletos em quarteis, a implantação de núcleos militantes nos regimentos, a realização de espetaculares golpes de mão, como a detenção pela força dos abertos dos comboios de soldados. Frente a traição patriótica do Partido Comunista Francês, algumas centenas de estudantes se esforçaram assim em salvar a honra internacionalista do movimento operário francês.
Mas a massa estudantil estava disposta a apoiar a luta do povo argelino. Estudantes universitários e secundaristas iam a milhares nas manifestações contra a guerra colonialista. A batalha entre os defensores da Argélia Francesa e os partidários da independência era canalizada no seio da UNEF. A atitude do movimento estudantil frente a Revolução Argelina se achava no centro de todos os debates. As principais associações gerais caíam uma após outra nas mãos da esquerda. Os “minoritários” se convertiam em “majoritários”. O burô nacional da UNEF mudava de orientação e de mãos. A 27 de outubro de 1960 organizava uma manifestação na Mutualité. Apesar das denuncias do PCF e da UEC, que qualificavam esta iniciativa de provocação esquerdista idealizada pelo chefe da polícia, mais de 15.000 estudantes se concentraram na Plaza Saint-Victor e faziam frente aos guardas.
A partir de então se acelerou consideravelmente o processo de radicalização do meio estudantil. A OAS começava sua campanha de terrorismo na Argélia e na França. Frente à ameaça fascista, alguns militantes do círculo de história da UEC organizavam na Sorbone comitês de ação anti-fascistas, filiados na “frente estudantil anti-fascista” cujo objetivo era limpar o Bairro Latino dos comandos da OAS e da Juene Nación. Teve um êxito imenso na Sorbone, onde poucos dias depois de sua criação reagrupava já a várias centenas de militantes. O movimento se estendeu muito rápido as demais faculdades e aos meios intelectuais. Então tomou o nome de FUA. Sua ação foi metódica e eficaz: contando com arquivos bastante completos, organizava uma batida em regra de todo o Bairro Latino e expulsava das faculdades os militantes de extrema direita, simpatizantes e gente semelhante. Dona já do terreno, a FUA realizava intensa agitação em favor da independência da Argélia, com incursões relâmpagos contra as reuniões favoráveis à OAS, onde quer que se celebrassem. A vitória material conseguida em algumas semanas sobre os fascistas dava a FUA um prestígio enorme. Rapidamente esteve em condições de mobilizar dentro de prazos mínimos manifestações por surpresa milhares de estudantes. No dia da proclamação da independência argelina, seus militantes içaram por cima da Sorbone a bandeira da FNL.
O processo de radicalização política do meio estudantil, nascido do rechaço da guerra colonial, devia influir profundamente o movimento estudantil.
Iria provocar a metamorfose da UNEF, que de organização corporativista e folclórica se lançaria a experiência do sindicalismo estudantil.
Iria precipitar as crises da UEC, contida e secreta até então.
Iria criar condições e o marco político dentro dos quais se educou uma geração de militantes revolucionários que em sua maior parte são hoje os membros fundadores e os dirigentes dos grupos [revolucionários].
Trecho extraído do folheto Maio 68 – Ensaio Geral, escrito pelos jovens Daniel Bensaid e Henri Weber (e traduzido pelo autor deste artigo), ainda no calor dos acontecimentos. Detalhe: conseguimos este folheto, um tosco conjunto de folhas mimeografadas, com um livreiro de Porto Alegre (que ficamos sabendo depois se tratar de um ex-militante trotskistas) numa de nossas incursões pelo Estante Virtual.
Há 129 anos morria o maior pensador e revolucionário de nossa época, Karl Marx. Suas ideias mudaram a forma de pensar o mundo e seu legado para a classe trabalhadora foi incalculável. Ele, como poucos, compreendeu o seu tempo e, mais que isso, lutou por transformá-lo. Como todos os homens, Marx um dia se foi. Mas, como poucos homens, continuou vivo desde então através da força de suas ideias. Gerações e gerações de revolucionários deram continuidade a teoria e a prática que ele havia iniciado no século XIX. Camaradas como Rosa Luxemburgo, Lenin, Gramsci e Leon Trotsky.
Neste dia de lembranças e revigoramento do pensamento de Marx, reproduzimos o discurso de Engels em sua sepultura.
Discurso de Engels diante da sepultura de Karl Marx, no dia 17 de março de 1883.
A 14 de Março, um quarto para as três da tarde, o maior pensador vivo deixou de pensar. Deixado só dois minutos apenas, ao chegar, encontrámo-lo tranquilamente adormecido na sua poltrona — mas para sempre.
O que o proletariado combativo europeu e americano, o que a ciência histórica perderam com [a morte de] este homem não se pode de modo nenhum medir. Muito em breve se fará sentir a lacuna que a morte deste [homem] prodigioso deixou.
Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que, portanto, a„pro-dução dos meios de vida materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento económico de um povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente.
Mas isto não chega. Marx descobriu também a lei específica do movimento do modo de produção capitalista hodierno e da sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia fez-se aqui de repente luz, enquanto todas as investigações anteriores, tanto de economistas burgueses como de críticos socialistas, se tinham perdido na treva.
Duas descobertas destas deviam ser suficientes para uma vida. Já é feliz aquele a quem é dado fazer apenas uma de tais [descobertas]. Mas, em todos os domínios singulares em que Marx empreendeu uma investigação — e estes domínios foram muitos e de nenhum deles ele se ocupou de um modo meramente superficial —, em todos, mesmo no da matemática, ele fez descobertas autónomas.
Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar — sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da electricidade e, por último, ainda as de Mare Deprez.(1*)
Pois, Marx era, antes do mais, revolucionário. Cooperar, desta ou daquela maneira, no derrubamento da sociedade capitalista e das instituições de Estado por ela criadas, cooperar na libertação do proletariado moderno, a quem ele, pela primeira vez, tinha dado a consciência da sua própria situação e das suas necessidades, a consciência das condições da sua emancipação — esta era a sua real vocação de vida. A luta era o seu elemento. E lutou com uma paixão, uma tenacidade, um êxito, como poucos. A primeira Rheinische Zeitung[N47] em 1842, o Vorwärts![N126] de Paris em 1844, a Brüsseler Deutsche Zeitung[N53] em 1847, a Neue Rheinische Zeitung em 1848-1849(2*), o New-York Tribune[N62] em 1852-1861 — além disto, um conjunto de brochuras de combate, o trabalho em associações em Paris, Bruxelas e Londres, até que finalmente a grande Associação Internacional dos Trabalhadores surgiu como coroamento de tudo — verdadeiramente, isto era um resultado de que o seu autor podia estar orgulhoso, mesmo que não tivesse realizado mais nada.
E, por isso, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado do seu tempo. Governos, tanto absolutos como republicanos, expulsaram-no; burgueses, tanto conservadores como democratas extremos, inventaram ao desafio difamações acerca dele. Ele punha tudo isso de lado, como teias de aranha, sem lhes prestar atenção, e só respondia se houvesse extrema necessidade. E morreu honrado, amado, chorado, por milhões de companheiros operários revolucionários, que vivem desde as minas da Sibéria, ao longo de toda a Europa e América, até à Califórnia; e posso atrever-me a dizê-lo: muitos adversários ainda poderia ter, mas não tinha um só inimigo pessoal.
O seu nome continuará a viver pelos séculos, e a sua obra também!
Fonte: marxism.org
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- Biblioteca Virtual das Ciências Sociais – Florestan Fernandes
- Blog de Sociologia do Professor Denis Wesley